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23.7.09

Nídia



"É difícil ter alguém que te olhe assim tão de perto. Alguém que veja, mesmo que superficialmente, os tapas na cara que a vida vai te dando. Hoje fui maquiada e enquanto o era pensei em porque me sentia tão nua. Qual era a diferença visto que todos os dias, antes deste, eu usava maquiagem. Aquela que todos usamos, cada dia com cores distintas e doses distintas de coisas distintas. Talvez a diferença estivesse no fato de que era uma outra que me mascarava, que me construía diferente, que me mostrava com cores diferentes das que eu mesma escolhera para mim. Num instante percebi que o que antes era difícil tornou-se gostoso. Era de fato prazeroso abster-se, mesmo que em parte, da responsabilidade da cara do dia. Dividi-la com a outra, que por diversas vezes fomos a mesma, é muito agradável. Adivinhar através de cada toque as formas que iam transformando uma coisa em outra coisa. Uma pintinha, duas pintinhas, três, quatro, contei até a sexta, depois perdi as contas tentando imaginar as cores que me eram presenteadas nesse dia lindo de sol com barulho de água corrente. Algumas vezes pude espiar-me no espelho, mas a surpresa era mais saborosa. Saber a cara que se tem todos os dias já é chato o suficiente, dessa vez o espelho podia esperar, e esperar morrendo de inveja. Depois de pronta sim me olhei longamente no espelho e deveras o matei de inveja por aparecer ao encontro tão linda desde a última vez que o havia deixado. Fotografamos. De novo foi difícil. Uma coisa é que te olhe o espelho, outra bem distinta é que te olhe a outra, que te registre a outra. Eu também era outra, por fora, e a verdade é que foi quase desconfortável misturá-la com a de dentro. Tinha eu o direito? Depois pensei que sim, porque não. Eu já tinha descoberto que contaminar-se do que é diverso te faz um bem enorme dentro e fora, porque hoje não haveria de fazer?"

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