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23.7.09

A Maquiagem, o Retrato e o Relato

A maquiagem está presente em minha vida desde os 14 anos, quando comprei uma pequena necessaire, um lápis preto para os olhos, uma máscara para cílios, duas sombras nas cores preta e prata, um curvador de cílios e dois batons. Com o tempo fui aprimorando e sofisticando algumas técnicas, maquiando também amigas, amigos, mãe, irmã, tias, primas, primos e até mesmo crianças desconhecidas em um festival de rock! Não sei exatamente em que momento a maquiagem se tornou um elemento tão importante e deixou de ser apenas um recurso de beleza, pois passou a compor não só meu visual, mas também minha personalidade. Há mais ou menos 3 anos, maquiando uma amiga, percebi a enorme diferença na auto-estima dela antes e depois de ser maquiada. A partir de então esse detalhe psicológico se tornou o foco da maquiagem para mim.

Através de outra amiga, descobri no site DeviantArt outras maneiras de trabalhar sobre o rosto, acompanhando trabalhos de pessoas comuns que criam maquiagens muito interessantes e também de maquiadores e fotógrafos profissionais e impressionantes. Tal influência foi fundamental para que eu pudesse pensar em maquiagem como arte e elaborar um projeto que propiciasse a outras pessoas uma experiência diferente. A idéia de maquiar e fotografar pessoas partiu inicialmente da fantasia, pretendi transformar as pessoas em algo bem diferente de seu cotidiano.
Para meu trabalho de graduação em Artes Visuais maquiei mulheres jovens, do meu círculo de amizades. Escolhi aquelas que não são modelos profissionais ou que não estão habituadas a serem fotografadas e/ou não representam os valores estéticos convencionalmente veiculados pela mídia. Elas têm rotinas comuns, como a maioria das pessoas. Tal escolha teve como objetivo quebrar a rotina de cada modelo para que elas vivenciassem algo diferente e conseqüentemente refletissem sobre isso.
Ao contrário do trabalho realizado em Montevidéu (ver postagens mais antigas), deixei que minhas modelos escolhessem o figurino. Elas deveriam eleger a roupa na qual se sentissem melhor, podendo optar por roupa cotidiana, de festa, pijama, fantasia e até mesmo roupa nenhuma. Considerando que quando alguém escolhe o que vai vestir pensa em como os outros verão, ainda mais no caso de fotografias que se sabe que serão publicadas, as modelos representaram suas identidades, desejos e fantasias através do figurino.

Maquiei cada uma conforme as roupas escolhidas, pensando na personalidade de cada uma (daí a importância de serem minhas amigas). É um processo demorado, leva em torno de uma hora e meia, e exige paciência tanto minha como de quem está sendo maquiada, mas ao mesmo tempo é prazeroso e divertido. Existe muita expectativa de ambas as partes nessa etapa e, enquanto a modelo pensa sobre o que estou fazendo e sobre as fotos que serão feitas na seqüência, se prepara para um novo desafio. Apesar de usar o corpo como suporte, não proponho uma discussão sobre ele, nem sobre o feminino. Os aspectos psicológicos da maquiagem são muito mais relevantes, como se percebe nos textos dessas mulheres.

As fotografias foram feitas com máquina digital, ao ar livre, para aproveitar a luz natural e dispensar o uso de iluminação artificial. Os lugares foram escolhidos dentro da cidade de Santa Maria, pensando tanto no tipo de figurino que seria usado quanto nas cores. A fotografia exerce mais de um papel nesta investigação: registra o processo, permitindo expor o mesmo para outras pessoas; no caso da câmera digital possibilita que as modelos acompanhem os resultados durante as fotos e que pensem em outras maneiras de posar, esquecendo a timidez; e ainda posso dar um retorno às modelos que recebem um CD com as cópias das fotos, elevando sua auto-estima. Os enquadramentos buscam ressaltar os rostos e principalmente os olhos, já que neles as maquiagens são mais intensas. Também busco perspectivas nos corpos a fim de que as fotografias sejam mais interessantes, relações entre o cenário e a modelo, bem como entre as cores.

Ao final das sessões de fotos, solicitei que escrevessem sobre como se sentiram em cada momento do processo. Já no convite deixei claro que esta é uma etapa muito importante do trabalho por abrir diretamente a experiência para quem o vê. Sem os textos as maquiagens e fotos não fazem muito sentido, parecem um book qualquer. Não limitei o tamanho dos textos, tampouco defini regras. Meu objetivo era que cada uma escrevesse como em um diário, refletindo sobre cada etapa e sobre as sensações dessa exposição. Lendo esses textos, percebe-se que cada uma teve uma maneira particular de reagir e interpretar a experiência. Algumas inclusive falam sobre mim, sobre a relação que têm comigo e como vêem meu trabalho. É engraçado isso porque às vezes parece que estão tentando legitimar meu trabalho, também falam de como se percebem e relacionam com sua própria imagem. É compreensível que falem sobre mim já que durante algumas horas compartilhamos tantas coisas e procuro fazer com que elas realmente participem, opinando sobre maquiagem e fotos. Considero os textos das modelos, aliados às fotografias, a base do projeto, pois complementam uns aos outros e abrem a experiência para que o público se aproxime.

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